31 janeiro 2007

Ó grande vaga que vai apagar todos os cigarros do Mundo, dai-nos a paz!

Sou obrigado a dar a mão à palmatória. Eu, terrível maldizente das incongruências e da pequenez deste país onde vivo (como de outros, mas, neste caso, este é que conta), tenho de admitir que há algo que, neste país, é menos mau que noutras partes.

Observando o cerco que me estão a montar como fumador, assustando-me com medidas como a daquela escola flamenga onde os fumadores são obrigados a colocar um distintivo ao peito (onde é que eu já vi isto, mein Gott?) ou temendo a clandestinidade, como naquela cidade onde os fumadores se escondem atrás de árvores no fundo dos jardins ou em lixeiras camarárias, imagino que, muito em breve, ou me vergo à sapata da ditadura das virtudes, ou dou corda aos sapatos e regresso à savana, último espaço de liberdade.

Mas, mesmo assim, as boas consciências me perseguirão, dizendo: "Se ainda houver savana…" Pois é, ainda por cima sou culpado das mudanças climatéricas. Eu que até não sou dono de nenhuma fábrica de plásticos, de nenhuma refinaria, de nenhuma exploração de madeira, que não pesco ao arrasto, que não tenho automóvel a diesel nem empresa de transportes com centenas de camiões (nem sequer o consumidor+1 que obrigou o senhor Scholer, coitado, a importar mais um autocarro), eu que só tenho um rolinho de ervas com filtro de um lado e um fumito do outro — tão pequenino que eu sou e até enervo, vejam bem!, um senhor a quem chamam El Niño, que é uma espécie de Adamastor dos tempos modernos.

Pois é, sendo eu o perigoso homicida do cavalheiro que tem um tumor nos pulmões sem nunca ter fumado, bem mereço este cerco. E o aniquilamento próximo. Só não sei é quem foi o sacana que meteu uma cirrose (e a morte) no fígado de um senhor amigo da minha família que não bebeu uma gota de álcool durante toda a vida…

Não é que me custem as obrigações. Se um dia me vierem a caçar por usar camisas de um certo tipo de amarelo que provoca a cegueira, também não me custará deixar de vestir amarelo. E se — para acabar com a obesidade e o estrangulamento das coronárias, que mata mais gente que o fumito do meu cigarro bailando ao vento — os nossos amigos de além-mar proibirem as pessoas com mais de 60 quilos de frequentar fast-foods, estabelecendo pesadas multas a quem se lambuzar com um bom quarter, também deixarei de ir lá.

A ditadura é-nos tão familiar, e quotidiana, desde que foi preciso romper com a tão ecológica regra do mijo para marcar território, que a gente só estranha por não estranhar. O que me custa mais, sinceramente, é aquelas campanhas televisivas, numa tentativa de justificar a proibição de fumar, mostrando o sofrimento de uma pobre senhora que teve um [ai-não-se-pode-dizer] que um malandro qualquer lhe soprou lá para dentro. Estou à espera de uma campanha semelhante, no quadro e em justificação de uma lei que proíba o desemprego, mostrando o sofrimento daqueloutra senhora a quem tiraram o trabalho e o sustento. E, já agora, também espero uma campanha governamental, com imagens de pobres senhoras chorando a sua própria morte a fósforo branco — ou, pelo menos, um estropiamentozinho ou umas queimadurazecas —, lançada no âmbito e em propaganda de uma lei que esse mesmo governo tenha instituído para proibir o uso de armas químicas, ou mesmo apenas simples bombas contra civis. Mas a sério!

Posso esperar sentado, não é?

Seja como for, a verdade é que me estou a sentir como o atum vendo a rede a apertar-se (pior do que ele, na medida em que o atum se calhar até tem uma visão mais romântica da coisa; os humanos são menos fantasistas, sabem logo onde é que isto vai acabar). Pois, neste panorama — é aqui que se insere o reconhecimento expresso no título —, tenho de dar a mão à palmatória e admitir que o Luxemburgo é, ainda assim, o menos totalitário dos espaços nesta grande vaga que vai apagar todos os cigarros do mundo. Aleluia!

Aqui, ao menos, escreve-se a palavra de ordem por extenso. A guerra ao acto de fumar destina-se a evitar o contágio dos jovens, que eles deixem de começar tão novos a fumar, e ao mesmo tempo impedir o fumar por aproximação dos adultos? Então proíbe-se o acto de fumar em locais que a juventude possa frequentar e onde os adultos possam ir sem serem fumadores malgré-eux. Não se está cá com paninhos quentes hipócritas e balofos, nem com a choramingueira dos fumadores "passivos" de tabaco em cidades já de si poluídas até ao tutano.

O radicalismo de outros países é açúcar para os fumadores do Luxemburgo.

31.1.2007